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Desculpa

Escutei, meio sem querer, meio de propósito, a conversa de duas funcionárias do edifício comercial onde minha mãe trabalha. Soube, enquanto endurecia o pescoço por causa do meu próprio estresse financeiro, que elas ganhavam pouco mais de 1 700 reais de salário. Mil e setecentos reais mensais pelo trabalho árduo e extenuante que é manter limpo um prédio enorme cheio de salas.


Enquanto eu ainda processava o espanto (instintivo, porque só não sabe da realidade do mercado quem escolhe ignorar), elas começaram a jogar baldes de água no chão, se preparando para lavar o espaço com sofás onde eu estava sentada. Levantei, porque tinha que ir para um compromisso em outro lugar. Uma delas correu para abrir a porta que dava para a área externa e, pedindo desculpas, me falou para sentar nas cadeiras lá fora, que aí elas não me atrapalhavam lavando o chão.


E aí eu que me atrapalhei toda, porque queria desesperadamente que ela acreditasse em mim que eu não tinha me levantado por causa delas, que tinha mesmo que ir embora, e que pelo amor de deus moça você está trabalhando não me atrapalhando.


Tentei disfarçar a confusão de frases com um sorriso e chamei o elevador. As duas pediram desculpas de novo, e eu só conseguia responder imagina imagina imagina imagina e gritei BOM TRABALHO quando o elevador estava fechando.


Elas não sabem que a culpa sem motivo delas me causou também culpa sem razão, e saí de lá pensando quanta energia a gente não gasta sentindo culpa. Por que é que a grande maioria de nós vive com essa sensação permanente de dívida, de falta, de erro que precisamos consertar? Os seguros, os confiantes, os que tem certeza de que estão ocupando o lugar certo no mundo e não pedem licença para existir são a exceção, tanto que a gente sempre repara neles. E fica com inveja. Eu, pelo menos, tenho.


Como seria mais fácil viver se eu não ficasse procurando qual a minha parte de responsabilidade por absolutamente todos os problemas do mundo, ou tentando descobrir o que foi que deixei de fazer que poderia tornar felizes as pessoas que amo. A essa altura da vida, eu já sei que não causei o colapso do sistema, e sei que ser humano nenhum é responsável pela felicidade de outro. Só sei, não sinto. O que sinto é culpa. Uma culpa pesada por simplesmente estar aqui e estar fazendo tão pouco, e da qual eu já desisti de me livrar. O jeito é aprender a viver com ela, desculpa.




 
 
 

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