Entre hoje e amanhã
- Daniela Lopes

- 7 de mai.
- 2 min de leitura
Sete horas da manhã. A cama está molhada e ela também, o que será? Ah sim, a fralda vazou durante a noite. Começou o dia.
Em meio a choros escandalosos, poças de xixi, remédios de gripe e xarope, gestos e pedidos indecifráveis, vou aprimorando meus dons de intérprete de mímicas.
Quando o dia nasce, nasce também mais uma batalha. Comigo mesma, com minha forma de orientar, com os afazeres do dia, com a conta mirrada do banco...
Em vários momentos, esqueço completamente de mim. A ponto de não saber nem mesmo que eu sou. Me pego encarando o espelho. Procurando a mim mesma. Um mísero traço ou sinal que prove o que busco. Pisco, sorrio, enrugo a sobrancelha. Você agora é só mãe? Cadê a sua identidade? Cadê você? As olheiras enormes, o cabelo seco e emaranhado, a roupa suja de leite e canetinha. Quando fiz algo pra mim? Não lembro.
Fraldas, mamadeiras, banhos de banheira, tarefas da escola, uniforme limpo, meias pela casa toda.
Sou interrompida de minha crise existencial por dois longos chamados: " maaaãe!"
E lá estão vocês duas: uma chacoalhando a mamadeira vazia, pedindo mais. A outra com o tênis colocado, esperando que eu amarre os cadarços. Tudo isso parece desorganizado e caótico, mas é justamente o contrário. É vida!
Vida sendo vivida a cada segundo, a cada minuto, a cada respiro. Sem esse turbilhão, esses desafios e essas novidades, eu seria incompleta. E é aí que eu acho que encontro quem procurava diante do espelho. Todo dia me refaço.
A missão de ajudar uma pessoa que chegou agora nesse mundo, nessa dimensão, nessa terra que habito, me escancara na cara, que mesmo falhando e tendo defeitos, essa sou eu. A mãe que está orientando suas crias para que sejam felizes, independentes e fortes. Duas mulheres para o mundo. Às vezes pareço ainda não compreender tanto amor.
Não me tira o direito de reclamar, chorar e procrastinar. Mas também não serve de recurso pra abandonar esse barco, que, por vezes, veleja por mares bravos. Eu aprendo, elas aprendem e seguimos de mãos dadas, com a certeza que temos o que precisamos: amor.
Sempre vai ser difícil. Demandas altas de esforço, paciência e sanidade mental em dia.
Quantos adultos por aí sem saber o que estão fazendo. A vida não tem que ser uma eterna peregrinação, mas um acumulado de coisas que nos permitam viver de verdade. Viver querendo almoçar na casa da mãe pra matar a saudade e sabendo que, mesmo com vinte ou trinta anos, dá pra ligar quando precisar de colo. Se o colo não falta na infância, não vai faltar nunca.
À noite, quando já está tudo apagado e nos apertamos as três na cama de casal, vem a melhor sensação do mundo. Uma de um lado, a outra do outro. Eu, amassada no meio. Todas de banho tomado e barriguinha cheia. Os resmunguinhos de quem acabou de dormir. Coloco a mão no coração delas. Sinto os batimentos, que se juntam aos meus e me completam de alegria, vida e vontade de que amanheça logo, pra começarmos tudo de novo.



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